O Porquê da Complexidade: Crise, Liderança e Mudança
M.A.Rittner e S.Dragone
Estava eu tranquilo, cuidando de minha vida, quando recebo um telefonema de uma amiga. Queria discutir “Liderança”. Naquele momento eu não estava com muita paciência para uma longa explicação de habilidades necessárias em situações de crise. Lembrei-me de um quadro sucinto e objetivo, sem entrar muito no que é uma competência “soft” ou “hard”, do livro de Stuart Slatter. Nele o autor destaca que certas fases requerem mais habilidades de liderança que de gestão ou gerenciamento. Voltando ao telefone, percebi que o contexto seria discutir liderança em momentos de crise, para a recuperação da empresa.
Começamos a conversar sobre a característica principal da crise, a perda de controle. Sua reversão, por consequência, passa necessariamente pela retomada de controle. Porque a liderança seria fator decisivo para um projeto de turnaround eficaz? Não basta a capacidade de gestão?
No ambiente empresarial observamos a perda de controle de gestão, financeiro, comercial, controladoria e operacional, individualmente ou, mais comum, coletivamente – perda generalizada do controle da organização, o que gera uma situação de escassez de recursos (financeiros, humanos e/ou tecnológicos) de difícil compreensão por parte dos envolvidos e particularmente por isso, de difícil reversão.
Assim como dirigir um veículo é algo natural, retomar o controle após um evento anormal pode ser muito difícil e traumático. Nas empresas a analogia se aplica. A habilidade da liderança é um fator divisório entre sucessos e naufrágios de gestão durante uma crise.
Por que isso, especialmente na situação de crise?
São muitas as variáveis objetivas que precisam ser administradas para a reversão de uma crise empresarial, todas de forma sincronizada e com qualidade técnica:
– Financeiras: a necessidade de recursos que permitam a continuidade da operação; de retomar o controle dos dispêndios e centralizar as decisões de caixa;
– Comercial: a necessidade de reorganizar a atuação da empresa no mercado, com revisão de mix de produtos, de áreas de atuação, margens e preços, negociações, e avaliação de clientes e abertura de mercados;
– Operacional: a revisão dos processos produtivos e logísticos para otimizar os recursos e eventualmente corrigir desvios e perdas;
– Tecnologia: a utilização de sistemas que permitam melhorar a disponibilidade das informações, a reengenharia de produtos ou serviços, e os investimentos em soluções que possam reduzir custos e melhorar a atuação da empresa.
Então a habilidade de gestão seria suficiente, certo? Infelizmente para a empresa em crise e para o gestor, não é suficiente. Provavelmente os gestores conseguem perceber essas necessidades e intuir os caminhos que deveriam seguir, mas a força da crise impede a ação. Os que são apenas “gestores” (mas não “líderes”) ficam inertes, assombrados pelo medo de piorar o cenário com decisões precipitadas ou equivocadas, e ainda pela falta de recursos para investimentos e mudanças. Por fim, essa limitação de gerenciar o que existe é o que agrava a situação.
Somente com o apoio de uma forte liderança, impactante, é possível criar condições e recursos que não existem, para trilhar o caminho para a efetiva reversão do quadro de crise. Lideres definem como deve ser o estado futuro; alinham as pessoas com essa visão; inspiram-nas a fazer acontecer – seja qual for o inimigo.
Os vários estudos existentes sobre liderança a classificam de diferentes formas, mas todos concordam que liderança é a capacidade de influenciar o outro, independente da classificação adotada para descrever os diversos estilos de liderança observados. É a força necessária para fazer para fazer o processo de mudanças avançar. Quanto maior a força, maior a velocidade da mudança. Líderes estabelecem prioridades e metas de curto prazo; exibem uma autoridade visível; colocam expectativas, comunicam-se continuamente com todos os interessados; constroem confiança com sua transparência e honestidade.
O gestor de turnaround – o gestor da crise – deve possuir uma alta habilidade em influenciar pessoas, pois superar uma crise se baseia principalmente em conseguir resultados diferentes dos apresentados pela operação, com escassez de recursos.
Só é possível obter resultados diferentes com formas diferentes de operar; logo, reversão de crise implica em fortes mudanças. Porém, há que se ter mudanças rápidas, pois a empresa já não tem mais recursos para investir em uma gestão gradual da mudança para atender a um plano futuro. A situação requer rápidas providências para cessar as perdas, e reverter a operação deficitária em superavitária.
Apesar da mudança ser inerente à condição humana, é também conhecida a angústia que a mudança causa, pelo medo do desconhecido. Será que fazendo diferente dará certo? Será que posso me adaptar a essa nova situação? O que pode dar errado?
Sem um incentivo ou influência as pessoas tendem a não empreender a mudança, por todos os receios que os psicólogos explicam. Nos casos de turnaround que participamos ou presenciamos, temos vistos que a resistência a mudanças é uma das principais barreiras ao efetivo resultado positivo do processo. A resistência a mudanças causa perda de tempo, de energia e de dinheiro, e desmotiva aqueles que estão comprometidos com o objetivo maior – a superação da crise.
O maior problema acontece quando a alta direção, geralmente composta pelo sócio ou principal acionista, demonstra dificuldade em aceitar a necessidade da mudança, impactando a tomada de decisões e voltando a proa para o rumo da crise.
O consultor ou gestor de turnaround conta apenas com sua capacidade de influência para evitar essa situação, e temos observado que mesmo os consultores mais experientes e com forte apelo técnico e habilidade de comunicação têm alto índice de insucesso nessa tarefa.
Um dos exemplos infelizes teve como protagonista o presidente de uma empresa de médio porte, ao manter um diretor comercial no cargo por mais de três anos, acumulando no período uma perda de faturamento de mais de 40%, perda da margem de contribuição das vendas em mais de 15%, perda de importantes clientes, desconstrução de equipe, de rotinas e regras positivas e ausência total de técnica de gestão comercial. Não conseguimos encontrar razão para isso que não fosse o medo do desconhecido, ou seja, a resistência a mudanças. O medo de que a mudança possa piorar o quadro, sem a capacidade de racionalizar a situação e entender que o quadro já é por si muito ruim e que a mudança tem mais probabilidade de trazer benefícios que pioras. A habilidade de gestão poderia levar a mudar, mas a de liderança daria o senso de urgência, cobraria e substituiria a direção comercial muito antes!
Por outro lado, já presenciamos casos onde a liderança do gestor de crise foi fundamental para salvar a empresa. Certa vez estávamos em uma empresa com um cenário de muito stress financeiro, onde a única ferramenta que permitiria a continuidade da operação era um processo de Recuperação Judicial. Porém, o proprietário, levado por questões pessoais, havia decidido de forma bastante contumaz que sob nenhuma hipótese aceitaria tal procedimento. A capacidade de influência do gestor nesse caso foi fundamental para que o processo fosse conduzido, dentro do limite de prazo necessário, evitando a descontinuidade da operação.
É verdade que nosso universo caminha para o caos, e não requer energia para isso. Uma empresa em crise tende a somente piorar o grau da crise, sem esforço. Reverter o caminho para escapar do caos requer muita energia, pois há que se aplicar forças para organizar partículas em movimento desordenado. A liderança é a energia para reverter a tendência ao caos na gestão de crises empresariais.
Capas dos livros da imagem:
Slatter, S., & Lovett, D. (2006). Leading corporate turnaround: How leaders fix troubled companies. Chichester [England] Jossey-Bass.
Slatter, S., & Lovett, D. (2009). Como recuperar uma empresa: A gestão da recuperação do valor e da performance. São Paulo: Atlas.
Crossland, R., & Clarke, B. (2008). The leader’s voice (2nd ed.). New York: SelectBooks.Lopes, A. (2011) Quem matar na hora da crise?: Como resgatar a sua empresa e fazê-la crescer. São Paulo. Évora.
Há mais para voce ler: considere o livro de Minha Autoria, A CORDA. Compra-lo por aqui é possível, e a mando autografada. Abraços! M. Rittner
A história se inicia com uma empresa de aparente sucesso, boa reputação e bons produtos, que entra em processo de crise que pode agora destruí-la. Funcionários e executivos interagem com consultores e empresas externas, na trama que envolve sócios, engenheiros, recepcionistas, contadores, o presidente. Ego e ciúmes, inveja e medo, investigações e descobertas, levam o leitor a entender que o necessário para salvar a empresa pode estar logo ali adiante – mas não é óbvio.